domingo, 27 de julho de 2014

AEE - pessoal e intransferível




Para compreendermos cada aluno do AEE é preciso que o enxerguemos de forma completa, holística, buscando apreender seu potencial para além de suas limitações. É preciso captar seus mecanismos de perceber o mundo, de se relacionar com ele. É preciso compreender como esse mundo também o observa e compreende, se o cerceia, focando suas limitações ou se o estimula, valorizando seus potenciais. Se o ignora, segrega, agrega ou inclui. Pensar o atendimento educacional especializado para um aluno é navegar por mares nunca antes navegados, pois cada aluno em sua inteireza é uma realidade única, singular, desafiadora e intrigante. Um plano de AEE é como uma impressão digital, como a íris dos olhos, como as manchas da girafa - nunca haverá dois iguais. Por isso, um plano de AEE é um modelo único para cada aluno, pessoal e intransferível. O que não implica dizer que não há como se beneficiar da experiência de uns em favor dos desafios de outros. Sempre há acúmulo de conhecimento que nos permite ampliar nossa leitura para melhor compreendermos cada realidade e assim intervirmos de um modo único e particular.

Sugestão de leitura
“O modelo dos modelos”
Italo Calvino
Houve na vida do senhor Palomar uma época em que sua regra era esta: primeiro, construir um modelo na mente, o mais perfeito, lógico, geométrico possível; segundo, verificar se tal modelo se adapta aos casos práticos observáveis na experiência; terceiro, proceder às correções necessárias para que modelo e realidade coincidam. [..] Mas se por um instante ele deixava de fixar a harmoniosa figura geométrica desenhada no céu dos modelos ideais, saltava a seus olhos uma paisagem humana em que a monstruosidade e os desastres não eram de todo desaparecidos e as linhas do desenho surgiam deformadas e retorcidas. [...] A regra do senhor Palomar foi aos poucos se modificando: agora já desejava uma grande variedade de modelos, se possível transformáveis uns nos outros segundo um procedimento combinatório, para encontrar aquele que se adaptasse melhor a uma realidade que por sua vez fosse feita de tantas realidades distintas, no tempo e no espaço. [...] Analisando assim as coisas, o modelo dos modelos almejado por Palomar deverá servir para obter modelos transparentes, diáfanos, sutis como teias de aranha; talvez até mesmo para dissolver os modelos, ou até mesmo para dissolver-se a si próprio. Neste ponto só restava a Palomar apagar da mente os modelos e os modelos de modelos. Completado também esse passo, eis que ele se depara face a face com a realidade mal padronizável e não homogeneizável, formulando os seus “sins”, os seus “nãos”, os seus “mas”. Para fazer isto, melhor é que a mente permaneça desembaraçada, mobiliada apenas com a memória de fragmentos de experiências e de princípios subentendidos e não demonstráveis. Não é uma linha de conduta da qual possa extrair satisfações especiais, mas é a única que lhe parece praticável.


sexta-feira, 13 de junho de 2014

Recursos e estratégias em baixa tecnologia para a criança com TEA

Estratégias e recursos para estimulação e apoio



Ampliação das formas de comunicação

Atividade 1:Apontar para algo que se deseja Trata-se da primeira relação de causa e conseqüência, pois a comunicação envolve em si um conceito de troca ou de causa e conseqüência.
Público:  alunos com TEA na educação infantil.
Local de utilização: sala de aula, AEE, Biblioteca e outros.
Descrição da atividade: colocar objetos que a criança deseja ao alcance da vista e fora do alcance das mãos para que aponte para o objeto de desejo.
Intervenções do professor do AEE:  ensinar, por meio do apoio físico, que, apontando para o objeto, ela estará comunicando que é aquilo que ela quer nesse momento.

Adulto apoiando o braço da criança com o dedo indicador estendido,
apontando para a bandeira que está no alto, fora do alcance da criança.

Atividade 2: Pareamento. Refere-se ao passo inicial no processo de comparação que é o aprendizado do conceito de igual.
Público:  alunos com TEA na educação infantil.
Local de utilização: sala de aula e AEE.
Descrição da atividade: iniciar com poucos pares de objetos familiares e concretos como, por exemplo, quatro colheres e quatro garfos. Apresentar de forma estruturada, estes objetos, utilizando duas caixas como modelos: uma caixa contendo uma colher e a outra um garfo nas quais a criança terá que parear os objetos iguais.
Intervenções do professor do AEEprofessor segura em suas mãos as quatro colheres e os quatro garfos da atividade, dá uma colher para a criança, dizendo “igual”, e a incentiva a colocá-la na caixa onde está a colher modelo; em seguida, faz o mesmo com o garfo, e assim por diante. A criança deve estar sentada em frente ao professor. O professor inicia a atividade chamando a criança pelo nome e apoiando seu rosto para que ela olhe para ele. Depois de pouco tempo, deve-se passar a dizer “colher, igual”, “garfo, igual”, etc. O professor deve variar, elaborando esse exercício com diferentes tipos de objetos, não apenas colheres e garfos.


Criança pareando colheres e garfos dispostos em caixas separadas à sua frente.

Referência:
MEC/SEESP. Saberes e práticas da inclusão : dificuldades acentuadas de aprendizagem: autismo - 2. ed. rev. - Brasília : MEC, SEESP, 2003. 

sábado, 26 de abril de 2014

Deficiência Múltipla (DMU) x Surdocegueira

Pontuando suas diferenças e semelhanças


Pessoas com deficiências múltiplas e pessoas com surdocegueira fazem parte do público-alvo da educação especial. Assim, é importante saber diferenciar a DMU da surdocegueira, reconhecer suas necessidades básicas e conhecer estratégias utilizadas para a aquisição da comunicação.

Deficiência múltipla
  • É um termo que caracteriza o conjunto de duas ou mais deficiências associadas, de ordem física, sensorial, mental, emocional ou de comportamento social. (MEC – 2006)
  • Associação, no mesmo indivíduo, de duas ou mais deficiências primárias (intelectual / visual / auditiva / física), com comprometimentos que acarretam conseqüências no seu desenvolvimento global e na sua capacidade adaptativa. (BRASIL. Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989)
Deficiência múltipla sensorial diz respeito à associação da deficiência visual ou auditiva, a outras condições de comportamento e comprometimentos, que podem ser de natureza física, intelectual ou emocional, e dificuldades de aprendizagem. (MEC/SEESP/2006)

Surdocegueira
  •  É uma condição única, cujo impacto não se resume ao somatório das dificuldades da surdez e da cegueira, pois as dificuldades oriundas da perda dupla não se adicionam, mas se multiplicam. (LAGATI, 1995, p. 306)
  • Deficiência única que requer uma abordagem específica para favorecer a pessoa e um sistema para dar o suporte. (MCINNES, 1999)
Assim, compreende-se que a surdocegueira não é uma deficiência múltipla resultante da associação da cegueira com a surdez. A surdocegueira é uma condição única na qual o grave comprometimento da visão e da audição resulta, segundo Telford & Sawrey (1976), na multiplicação dos problemas relacionados à aprendizagem dos comportamentos socialmente aceitos e à adaptação ao meio.

Necessidades básicas das pessoas com surdocegueira e com deficiência múltipla
  • Desenvolver o esquema corporal, buscando:
o   a sua verticalidade;
o   o equilíbrio postural;
o    a articulação e a harmonização de seus movimentos;
o   a autonomia em deslocamentos e movimentos;
o   o aperfeiçoamento das coordenações viso motora, motora global e fina;
o   e o desenvolvimento da força muscular
  • Aprender a usar as duas mãos, quando não apresentam graves problemas motores, para:
o   minorar as eventuais estereotipias motoras;
o   desenvolver um sistema estruturado de comunicação com o uso de ambas as mãos.


Estratégias utilizadas para aquisição de comunicação

Bosco e colaboradores (2010) explicam que a limitação na comunicação e no processamento e elaboração das informações coletadas do entorno pode resultar em prejuízos no processo de simbolização das experiências vividas, por provocar carência de sentido para as mesmas. Assim, é fundamental disponibilizar recursos que promovam a aquisição da linguagem estruturada no registro simbólico, seja verbal ou em outras modalidades como a gestual.
A seguir serão elencados alguns recursos para a aprendizagem de alunos com surdocegueira e deficiências múltiplas:
  • Objetos de referência: objetos que têm significados especiais com a função de substituir a palavra, representando  pessoas, objetos, lugares, atividades ou conceitos associados a eles;
  • Objetos de referência das atividades: um objeto que antecipa a atividade a ser realizada, por exemplo, uma caneca para a hora do lanche;
  •  Caixas de antecipação: permite conhecer os primeiros objetos de referência que anteciparão as atividades e o conhecimento das primeiras palavras. São utilizadas com crianças sem sistema formal de comunicação;
  • Calendários: favorecem o desenvolvimento da noção de tempo e que ajudam os alunos a estabelecer e compreender rotinas. Também são úteis no desenvolvimento da comunicação, no ensino de conceitos temporais abstratos e na ampliação do vocabulário.


Referências

BOSCO, Ismênia C. M. G.; MESQUITA, Sandra R. S. H.; MAIA, Shirley R. Coletânea UFC-MEC/2010: A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar - Fascículo 05: Surdocegueira e Deficiência Múltipla (2010).
Brasil. Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989. Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências. D.O.U. de 25.10.1989
LAGATI, S. Deaf-Blind or Deafblind International Perspectives on Terminology.1995 Tradução: Laura L. M. Anccilotto. São Paulo: Projeto Ahimsa/Hilton Perkins, 2002.
Educação infantil : saberes e práticas da inclusão : dificuldades acentuadas de aprendizagem : deficiência múltipla. [4. ed.] / elaboração profª Ana Maria de Godói – Associação de Assistência à Criança Deficiente – AACD... [et. al.]. – Brasília : MEC, Secretaria de Educação Especial, 2006.
MCINNES, J. M. Deaf-blind infants and children: Adevelopment guide. Toronto, Ontario, Canada: University of Toronto Press, 1999.

TELFORD, C.W. & SAWREY, J.M. O indivíduo excepcional. Rio de Janeiro: Zahar Editores. 1976. 2ª ed.

domingo, 9 de março de 2014

Educação Escolar de Pessoas com Surdez numa Perspectiva de Inclusão Ideal


Ao romper o embate entre os gestualistas e os oralistas, Damázio e Ferreira interpretam, à luz do pensamento pós-moderno, a pessoa com surdez como ser humano descentrado, capaz, produtivo e constituído de várias linguagens, com potencialidade para adquirir e desenvolver os processos visuais-gestuais e ler e escrever as línguas em seus entornos. Os autores acreditam que a Educação Especial, na perspectiva inclusiva, oferece novas possibilidades para as pessoas com surdez, em que a Libras e a Língua Portuguesa escrita são línguas de comunicação e instrução.
Damázio e Ferreira responsabilizam a qualidade das práticas pedagógicas pelo fracasso do processo educativo das pessoas com surdez. Os autores apostam no Atendimento Educacional Especializado para organizar o trabalho complementar para a classe comum e promover a autonomia e a independência social, afetiva, cognitiva e lingüística da pessoa com surdez. Eles defendem, assim, a necessidade de reinventar as formas de conceber a escola e suas práticas pedagógicas, rompendo com os modos lineares do pensar e agir. Estes autores apresentam o AEE PS organizado em três momentos didático-pedagógicos:
• Atendimento Educacional Especializado EM LIBRAS - ocorre diariamente, em horário contrário aos das sala de aula comum de modo que os conteúdos curriculares em Libras sejam ministrados antecipadamente ao trabalhado da sala de aula comum para garantir uma melhor associação dos conceitos nas duas línguas.
• Atendimento Educacional Especializado para o ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA - acontece na sala de recurso multifuncional e em horário diferente ao da sala de aula comum, desenvolvido por uma professora, preferencialmente, formada em Letras com conhecimento linguístico e teórico acerca do ensino do português escrito para PS, com o objetivo de desenvolver a competência lingüística e textual, nas pessoas com surdez, para que elas sejam capazes de gerar seqüências lingüísticas.
• Atendimento Educacional Especializado para o ensino DE LIBRAS - o atendimento inicia-se com o diagnóstico do aluno e ocorre de acordo com a necessidade, em horário contrário aos das aulas, na sala de aula comum, é realizado pelo professor e/ou instrutor de libras (preferencialmente, por profissionais com surdez), de acordo com o estágio de desenvolvimento da língua de sinais em que o aluno se encontra.
Trata-se de uma proposta inclusiva radical no sentido de ir à raiz do problema do fracasso da educação das pessoas com surdez. Também é uma proposta possível, pois tem amparo legal que garante as condições necessárias para sua execução, contudo, atualmente, nem sempre é exequível conforme as realidades que carecem de recursos humanos capacitados para sua realização. Mas o ideal precisa ser delineado, pois é necessário para inspirar a inclusão e motivar a transformação.

Referência


DAMÁZIO, M. F. M.; FERREIRA, J. Educação Escolar de Pessoas com Surdez-Atendimento Educacional Especializado em Construção. Revista Inclusão: Brasília: MEC, V.5, 2010. p.46-57.